sexta-feira, 17 de abril de 2015

O que é uma bolha?




De uns tempos para cá, tenho visto, em outros fóruns de discussão, muitas pessoas questionando minha “previsão” de que o país passa por uma bolhaimobiliária. Muitas pessoas alegam que não existe a bolha porque não vislumbram um cenário em que os preços caiam agudamente, como aconteceu nos Estados Unidos. Outras pessoas dizem que não há bolha imobiliária no país porque nosso sistema bancário é melhor regulamentado do que o americano e que, por isso, não acontecerá aqui o que aconteceu por lá. Acredito que ambos os argumentos são falhos – e a falha deles é a falta de conhecimento a respeito do que é uma bolha.

O que é uma bolha?

Definição simples, rápida e direta: uma bolha é a situação em que ocorre um descolamento dos preços de um ativo (imóvel, ações, fundos imobiliários, tulipas) com relação aos seus fundamentos.
Ou seja, na definição de bolha não está embutida nenhuma “queda abrupta” ou “crise de crédito idêntica à que ocorreu nos EUA”. Repetindo a definição, bolhas são o simples descolamento dos preços de um ativo com relação a seus fundamentos. E como avaliamos se está ocorrendo esse descolamento dos preços?
A principal maneira de fazer isso é avaliar o retorno do ativo para seu proprietário. O valor de um título do tesouro direto  é calculado pelos juros que ele paga; o de uma ação, pelo seu retorno (em termos de lucro por ação ou de dividendos); e os imóveis, pelo seu aluguel. Não é possível avaliar se um ativo está caro ou barato, ou descolado de seus fundamentos ou não, apenas pela tendência de preços. Se o preço de uma ação sobe em harmonia com o crescimento do seu lucro, está tudo certo. Mas, às vezes, o preço da ação sobe de maneira descolada do crescimento dos seus lucros, pelo simples fato de que os investidores aceitam pagar mais por ela do que seu valor intrínseco. Se isso ocorre, uma bolha está criada.
Normalmente, esse descolamento dos fundamentos ocorre porque os investidores ficam encantados com um “novo” paradigma. Foi o que aconteceu em 2000, com a bolha das empresas da Internet. Fascinados pela rede mundial e suas possibilidades, investidores negociavam a preços absurdos ações de empresas que jamais haviam sido lucrativas. Deu no que deu. No Brasil, vimos um arremedo disso com a descoberta do pré-sal. A Petrobras disparou por algum tempo, mas suas ações jamais voltaram aos patamares de maio de 2008.
E, acredito, temos visto isso com os imóveis no Brasil. De uns tempos pra cá, consolidou-se um paradigma composto pelas seguintes premissas: (i) o preço dos imóveis jamais caiu; (ii) imóvel sempre foi um excelente investimento; (iii) as altas taxas de crescimento (de ordem de 20-25% ao ano) se manterão até, pelo menos, a Copa do Mundo ou as Olimpíadas (no caso do Rio de Janeiro); e (iv) a demanda é sustentável porque o Brasil vive um grande déficit habitacional. Mesmo que essas premissas fossem verdadeiras, elas não afastam o seguinte problema: se verificarmos a rentabilidade do imóvel em relação ao tipo de rendimento que dele se espera (os aluguéis), perceberemos que em várias cidades do país a rentabilidade esperada dos imóveis em termos de aluguel é muito inferior à taxa de outros investimentos. Em muitos casos, o proprietário recebe, em aluguel, menos de 3% do valor do imóvel por ano. Isso é metade da poupança, e é inferior à rentabilidade, em dividendos, de empresas como a Ambev.
É para avaliar se os preços das ações estão descolados de seus fundamentos que os investidores utilizam indicadores como o Preço por Lucro (P/L). Uma empresa que traga para seu acionista um lucro por ação de R$ 2,00 e esteja avaliada a R$ 10,00 apresenta um indicador P/L igual a 5. No caso dos imóveis, uma casa que seja alugada por 3% do valor do imóvel apresenta um índice P/L equivalente a 33,33. Números, por si sós, não dizem nada. Mas um P/L muito superior a 20 por um ativo que não produz nada é, no mínimo, temerário nas condições atuais (no caso dos imóveis, adota-se como padrão um P/L igual a 16,67, que equivale a uma rentabilidade próxima a 6% ao ano). Se a economia realmente estivesse tão bem a ponto de justificar esses preços, o preço dos aluguéis subiriam bruscamente até o ponto em que estaria justificada essa rentabilidade. Embora o valor dos aluguéis tenha subido bastante nos últimos anos, não subiram o suficiente para compensar o aumento excessivo dos preços dos imóveis.

Uma bolha não é definida pela queda brusca no preço do ativo

Muitas pessoas acreditam que uma bolha é definida pela queda brusca no preço do ativo que se está examinando. Isso, contudo, não é necessário. A bolha é o descolamento dos fundamentos; a queda brusca nos preços pode ser apenas a consequência disso. Às vezes, a bolha pode ser esvaziada pela simples passagem do tempo. Acredito que é o que está ocorrendo, em parte, no mercado de ações. Entre 2003 e 2008, o mercado subiu demais – acima do que os fundamentos recomendavam.  Não é à toa, portanto, que muitos dos preços praticados em 2007 ou 2008 só agora estejam se tornando razoáveis.
Dê uma olhada na seguinte tabela:
bolha
Como você pode ver, a tabela se refere à comparação dos preços e do índice P/L de algumas empresas brasileiras entre os anos de 2007 e 2011 (última cotação de 2007 e a cotação de algumas empresas no dia 2/12/2011). Destaquei em negrito, para cada empresa, o maior P/L entre os dois e o maior preço entre os dois destacados. Como você pode ver, em 6 de 7 casos o índice P/L era maior em 2007 do que os praticados agora, em 2011. E em 4 de 7 casos os preços praticados naquela época eram maiores do que os praticados em 2011.
O fato de as ações, em 2007, estarem sendo negociadas a múltiplos muito maiores do que hoje, em média (a exceção na tabela é a Natura), significa que uma parte da queda se deveu justamente ao fato de que, naquela época, os preços estavam acima do justificado pelos seus fundamentos. Mas, apesar disso, hoje há empresas com múltiplos extremamente mais baixos – as ações de Banco do Brasil, Vale e Petrobras, por exemplo, estão sendo negociadas  a um P/L entre 5 e 8, ao passo que, durante a crise, estavam com múltiplos acima de 12 (no caso da Petrobras, acima de 17). Evidentemente, isso não significa dizer que múltiplos altos, por si só, indicam queda futura. Às vezes, os fundamentos de uma empresa justificam múltiplos mais altos, como é o caso da Ambev, cujas ações AMBV4 eram negociadas a R$ 25,62 e hoje são negociadas a R$ 61,80 (preço ajustado). Em 2007, o P/L da Ambev estava na casa dos 28,4, e hoje, está na casa dos 23,51 – plenamente justificado pelo forte crescimento da empresa.
Mas, se você olhar bem na tabela, é perfeitamente possível divisar que uma parte das “bolhas” foi esvaziada pelo tempo, sem queda brusca. É o caso do Bradesco, por exemplo. Se considerarmos apenas os anos de 2007 e de 2011 (desconsiderando as fortes quedas de 2008), verificaremos que, embora sua cotação tenha ficado aproximadamente nos mesmos patamares (em torno de R$ 30,00), seu P/L caiu de 13,37 para 10,4. Isso aconteceu porque, ao longo dos últimos 4 anos, o Bradesco apresentou crescimento nos seus lucros. Como o preço permaneceu no mesmo patamar, a relação entre o Preço e o Lucro permaneceu relativamente estável.
Isso também pode acontecer com os imóveis. Os preços podem ficar estáveis por muito tempo, fazendo com que o simples reajuste do aluguel ao longo dos anos torne a relação entre o preço do imóvel e o valor de seu aluguel mais razoáveis. Se isso acontecer, muitas pessoas dirão que não houve bolha, mas apenas um “ajuste” nos preços. Sim, camarada… mas esse AJUSTE, mesmo que dure muitos anos, desinflará a bolha. Não tenho a menor dúvida de que isso acontecerá mais cedo ou mais tarde, seja na forma de um ajuste decorrente da estabilização dos preços por alguns anos (e isso também significa prejuízo para muita gente), seja na forma de um estouro mais agudo. De qualquer forma, há muitos a perder com isso, e poucos a ganhar.


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